segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Cozido das Furnas

Volto a chamar a atenção para asneira grande que pode ser muito prejudicial à imagem de seriedade e qualidade da restauração que S. Miguel oferece aos seus visitantes. Hoje, num dos principais canais televisivos no continente, passou um bom documentário sobre turismo ecológico em S. Miguel. Um passeio de observação de aves terminava com um cozido nas caldeiras.

Entrevistaram o cozinheiro. Lamento ter esquecido o nome. Começava por A, Arruda, Andrade? Não garanto. Era homem jovem, não deve ser difícil identificá-lo. Com toda a seriedade, afirmou que o segredo do cozido é o sabor a enxofre dado pelas caldeiras. Isto é um tiro no pé. Se isto aparecer em qualquer revista de gastronomia que os turistas cultos consultam antes de uma viagem, fica-se a pensar que ou é patetice ou então se deve fugir de tal cozido. Não sabem o que é cheiro e sabor a enxofre? É porque já não são do tempo das bombas de mau cheiro do carnaval. Ou, mais simplesmente, porque nunca tiveram o azar de comer ovos podres.

O segredo é outro, e até está na moda da cozinha de autor ou de alta qualidade: cozinhar a vapor ou cozinhar a baixa temperatura, o que vai dar ao mesmo. O "cozido das Furnas" que faço em casa e que maravilha os meus convidados, feito a seco em forno de vapor, não tem qualquer sabor ou "aroma" a enxofre", salvo seja! Também o do Espaço Açores, com um dispositivo de cozinha a baixa temperatura que não posso dar-me ao luxo de ter em casa. Ouvi dizer que, com ele, Alfredo Alves controla a cozedura a cerca de 70º, durante 6-7 horas. Como aqui escrevi, eu creio que consigo o mesmo com o forno sempre a libertar vapor de muita água no tabuleiro, a 110º, depois de bem pré-aquecido a 150º, antes de colocar a panela e já com água fervente.

Proíbam de uma vez por todas de se continuar a dizer tal asneira de enxofre infernal, inspirada no Pero Botelho. A propósito, sabem quem é Pero Botelho, o da caldeira? É personagem que já vem dos costumes medievais.

P. S. - Já agora, há caldeiras e caldeiras. As do vale são sulfataras, e estas sim, cheiram bem a sulfuretos e outras coisas mais. As da lagoa são fumarolas, principalmente de vapor de água e quase sem cheiro, como bem pode notar quem respirar esse vapor.

P. S. 2 - Também reparei, no tal documentário, na preparação da panela do cozido. Sei que, também aqui no continente, para além das diferenças regionais características, há um cozido por cada família, conforme os gostos. Por exemplo, eu detesto farinheira e, até porque não cabe de forma alguma na tradição açoriana, nunca a meto. Mas uma convidada muito estimada adora-a. Nada mais fácil, cozi-a convencionalmente, à parte e juntei-a ao cozido, só para ela. Diferente é a composição básica de um cozido que se apresenta como típico. O que vi hoje preparar misturava tudo aquilo a que o turista continental está habituado, o que é desconhecer que há milhentos cozidos portugueses e que "tudo" é uma enormidade de lista, incaracterística. Recuso-me a incluir no meu "cozido das Furnas feito em casa" qualquer coisa que não esteja na tradição micaelense, do cozido ao lume. Leiam Augusto Gomes, vale sempre a pena. Melhor, andem pelas freguesias a conversar com as velhas sras. Deodatas do meu tempo, uma das minhas mestras de cozinha açoriana, fora a minha avó , é claro. Cozinhar com qualidade dá muito trabalho, sabiam?

6 comentários:

  1. ÀS vezes os "fretes" da SIC a familiares dá nisso. Mas é assim todos os anos...

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  2. TIRO NO PÉ É O ARRAZOADO DE ASNEIRAS QUE VOCÊ DIZ, NA PRESUNÇÃO DE QUE CONHECE MELHOR AS COISAS DO QUE QUEM ALI VIVE.
    TUDO TEM INFLUÊNCIA NO COZIDO DAS fURNAS,INCLUSIVE O ENXOFRE.
    o QUE SE DISPENSA SÃO ESSES SABICHÕES DE TRAZER POR CASA.

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  3. Escrevo isto só para ficar esclarecido de uma vez por todas, a propósito do segundo comentário. Não respondo a anónimos, não respondo a insultos, não respondo a quem é tão desconhecedor da netetiqueta que escreve aos berros, em maiúsculas. Neste caso, também a quem tão mau gosto que gosta de enxofre porque talvez sofra de flatulência...

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  4. Bem respondido. O estilo boçal de quem se arroga tudo conhecer só porque vive no local, ostracizando o conhecimento dos demais apenas na assumpção de que estes, por serem de outra terra, não têm já direito a conhecer o que é de lá, é uma das manifestações de ignorância que muito grassa por este país, infelizmente.

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  5. Halásana, olhe que, se calhar, não sou de outra terra! Residente nos Açores é que, de facto, não sou.

    A despropósito: ontem maravilhei um grupo de amigos com feijão no forno, à calafona. "Feijão com tomilho, mel e canela, quem diria?", era o comentário geral. E não é caso único, nos Açores. A "sopa de cavador", da Terceira, com coisas variadas entre as quais feijão e abóbora, liga excelentemente estas duas coisas ao tempero obrigatório com canela.

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  6. Parabéns DonMixx
    infelizmente muitos dos Açorianos são tão anónimos que nem existem, pensando que estão a defender alguma coisa limitam-se a dizer mal de tudo e de todos.Na maioria das vezes não sábem nada das suas origens e muito menos da sua história gastronómica.
    Só um reparo...o feijão não é Calafona é Açoriano, foi dos Açores para a zona de Bostom e depois com os imigrantes, foi tambem para a California.
    O adoçante tradicional era o melaço que vinha nas caravelas da Madeira onde se produzia açucar,muita gente não sabe que a canela é também um conservante e os antigos descobriram isso pelo que é normal por tradição nas zonas mais pobres ter entrado para tempero.

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