domingo, 8 de março de 2009

Cozinha de fusão à açoriana


A cozinha açoriana é porta aberta para a cozinha de fusão, tão rica é e tão expressiva em ingredientes típicos. Devo confessar que não conheço bem o que por lá se vai fazendo de cozinha açoriana de qualidade. Quero dizer com isto: cozinha de alta qualidade técnica, mas marcadamente açoriana por uma regra básica - nenhum ingrediente que não faça parte da agricultura e dos hábitos culinários tradicionais dos Açores. Proibição absoluta, por exemplo, de todos os cogumelos, de “foie gras”, de caviar, de espargos verdes, de endívias, de alheira e farinheira, de couve chinesa, de queijo de ovelha. Mais, claro que não se define só pela negativa, também pelo recurso criterioso a velhos sabores açorianos, com relevo para a tradição dos condimentos - malagueta, açaflor, Jamaica, erva-doce, canela, pimenta preta, etc.

Nos últimos dois anos, tenho-me entretido a inventar e testar receitas inventadas nessa perspectiva: sabores tradicionais, técnicas de velhas cozinheiras adaptadas ao uso moderno, correcção de excessos de sabores. Dou por mim a já ter compilado, neste exercício sem tradução prática, mais de 200 receitas inéditas (algum hotel, restaurante ou empresa de eventos interessado?).

Hoje vou voltear o meu almoço, muito simples, mas um bom exemplo dessa novíssima cozinha açoriana. A garoupa pequena, melhor a açoriana, é vendida no continente principalmente às postas para fritar. Com ajuda da compreensão da minha vendedora de peixe, que já me pede conselhos, arranjei diferentemente uma garoupa de cerca de 750 g. Cabeça, rabo, barbatanas e espinha foram para “fumet”. O resto deu dois bons lombos. Tinha uma convidada a quem queria mostrar o que se pode fazer só com ingredientes tipicamente açorianos. Há tempos, tinha-lhe dado a provar uma bem nossa sopa de funcho, por, milagrosamente, o ter encontrado numa grande superfície. Tinha ficado com o bolbo, que agora usei para lombos de garoupa estufados com molho de funcho.
Para 2 pessoas. 2 lombos (250 g cada) de garoupa dos Açores, 1 dl de azeite, 3 dentes de alho, 1 bolbo de funcho, ½ limão galego (no continente, lima com um toque de sumo de laranja), 1 raminho de salsa, 2 dl de vinho branco, sal, pimenta branca, 3 grãos de pimenta da Jamaica, cebolinho, cerefólio. 4 batatas médias, 100 g de feijão verde, 1 c. sopa de azeite de linguiça. 1 c. sopa de manteiga, 1 c. sopa de farinha, 2 dl de nata (magra, “au bonheur du colésterol”).
Aquecer o azeite numa frigideira larga e alourar os lombos a lume médio, 2 minutos com a pele para baixo. Virar, alourar mais 1 minuto e retirar. No mesmo azeite, refogar ligeiramente o alho e o funcho picados, juntar o limão galego em pedaços pequenos, regar com o vinho, temperar. Voltar a juntar os lombos de peixe, passar para lume muito baixo, mas a deixar fervilhar, tapar e estufar durante 30 minutos, vigiando para ter sempre líquido.

Cozer as batatas, torneadas, com sal e pimenta. Arranjar o feijão verde e cortar em pedaços de cerca de 3 cm. Cozer ao dente em água a cobrir, com o azeite de linguiça/chouriço.

Guardar os lombos. Moer bem e passar o molho do estufado, depois de retirar a salsa e o limão galego. Derreter a manteiga e polvilhar de uma só vez com a farinha, a lume médio, para fazer rapidamente um roux louro. Arrefecer, molhar com um pouco de água para molho muito espesso e voltar ao lume, baixo, acrescentando 3 c. sopa do moído de funcho, 2 dl de nata. Corrigir o tempero e a espessura e juntar salsa picada.

Aquecer no micro-ondas, em cada prato, um lombo de garoupa, depois de retirada a pele, alguns pedaços de batata, um pouco de feijão verde. Decorar com uns raminhos de funcho e uma azeitona preta. Regar o peixe com o molho quente.

P. S. - Vejo que não expliquei o que é o azeite de linguiça. Azeites temperados tenho muitos, ou incubados longamente a frio ou preparados a quente como este. Muito simples. Linguiça aos cubos pequenos frita em bastante azeite e depois tudo bem moído. Deixar decantar e aproveitar só o azeite sobrenadante, coado.

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